Lobo

Surges a vermelho. Trazes silêncio a onde passas. Intimidas quem te segue. Os teus lábios têm o talento único de nunca terem dito a palavra que os teus olhos incessantemente repetem a quem se atreve questionar. O teu silêncio é de seda. Toca, marca e segue caminho. O rio no teu cabelo flui em todas as direcções em enxurradas de aparente prazer liberto, deixando-te um sorriso no rosto. O controlo do teu descontrolo desconcerta-me. É um desafio, percebo, daqueles que não quer resposta nem solução. Apenas desafio, uma prova que se faz sem se deixar a marca do batom na borda do copo, esperando que um incauto debite todas as qualidades daquilo que nunca realmente provou. Ninguém o fez. Mas o lobo traiu-me. O seu pelo é suave e a sua hora perfura qualquer armadura. Louca, a mão que ousou cruzar-se com a tua. Uma carícia que nunca mais se esqueceu. Um sorriso roubado que se deu sem se ver, sem mais ninguém ver... um cabelo que se prendeu no canto da boca... agora ficas longe, demasiado longe para a poder sentir, para o poder ver, para o poder repor, de novo. Se, ao menos, a cova desse sorriso não me matasse... 

Faux Pas

Não ser querido por querer demais, ou apenas mais, deve ser o castigo mais cruel entre duas pessoas. Uma fica sem muito e a outra fica sem tudo quando ambos poderiam ter muito de tudo. Quando o amor não chega, o que sobra? Quando alguém te quer fazer feliz, porque sabe que isso também o fará feliz e que ambos serão felizes, juntos, onde mais podemos querer chegar? Quando demos tudo e isso foi apenas tudo o que demos, que mais podemos querer alcançar? Um encontro de desencontros. Assim é quando o amor aceita o duelo do gostar. Uma luva branca de forro negro... Ecoa pela sala surda um riso de choque, mesmo após tantas vezes ter visto este drama. Na plateia, a ironia acompanha mais um ensaio da peça que nunca se estreará, não por falta de cenário ou figurantes nem por falta de uma sala disposta a encher-se de recordações e actuações memoráveis. Nem mesmo por falta dos actores principais ou dos adereços que os caracterizam... mas porque falta o contraponto. Falta o seu discurso em pensamento alto, a rede dos nossos faux pas... GRITA! Por amor de Deus, grita! Faz-te ouvir como se o Mundo dependesse do meu mundo! Sim, aquele que se desfaz à tua frente... Diz-lhe que estarás lá sempre que precisar e que as suas deixas surgirão sempre, fruto da dedicação, do trabalho e do amor dos personagens. Diz-lhe que já o viste tantas vezes e em tantas peças. E diz-lhe, por favor, que, mesmo quando não estiveres, ela ter-me-á sempre.

Descensão

Quero ver-te, quero ter-te, tocar-te e rolar contigo. Quero pôr-te num pedestal e arrancar-te de lá com o maior desejo que a carne pode sentir. Quero tactear as curvas desse caminho que te faz suspirar no escuro e te orienta o suor descendo pelas costas quentes e hirtas de prazer. Quero respirar o calor dos teus lábios e sentir a dor nos meus enquanto me mordes sem medo. Quero puxar-te o corpo para mim e segurar o teu ímpeto descontrolado. Quero sentir-te tremer desde o mais dentro do teu corpo e os teus lábios contorcerem-se na tentativa vã de compreenderem o que se passa, o sentimento que te perpassa num gemido de solta entrega e se perpetua em ecos de doce deleite. Quero beijar os teus finos cabelos colados à cara, revoltados pelo abuso que lhes foi permitido, livres das inibições impostas por todos os dias ter de ser, ter de parecer. Não mais. Aqui não há prisões, tudo soltamos e consumimos, recriando-o no momento seguinte ao arder da paixão para mais não fazermos do que nos entregarmos sem tréguas mais uma vez... e outra... e mais... até que os tecidos que nos cobrem guardem apenas o olor do que nos demos sem hesitação nem descanso nem reflexão e o seu calor se sobreponha ao do nosso corpo, uno, junto e completo e nos adormeça no seu abraço...

...

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E amanhã também.

Decisão





Procuro um momento. Procuro uma certeza, a certeza que não depende de mim, aquela que só me pode ser oferecida. Procuro-a com uma sofreguidão que me tolhe a razão, que me aperta o coração e me faz dormir de olhos cravados no céu como se a resposta estivesse nos milhares de linhas com que ligo as estrelas para desenhar o teu rosto... com o teu cabelo deslizando até ao horizonte... o teu sorriso atravessando a estrela polar... Navego este sentimento inquieto contigo como guia mas continuas tão longe, todos os dias... nem sempre resisto e em fraqueza fecho os olhos. Viro a cara e afasto-me. Quero me partir, quero poder partir em busca de outra certeza, de outra terra, uma terra nova que me acolha e ao sentimento que tanto quero partilhar e viver...

E aí o momento dá-se. Abro os olhos e percebo que não posso partir, que não sabe bem caminhar sem o teu brilho a iluminar-me o caminho. Percebo que não quero deixar de marear esta rota que leva ao teu coração e à partilha do teu sorriso. Em verdade, nada se lhe compara e tudo o mais é menos do que o que desejo contigo.

E, nesse momento, surges a meu lado, ao alcance de um leve toque dos meus dedos, e o calor do teu corpo encanta-me os sentidos ao ponto de ter de respirar fundo, bem fundo para me assegurar de que sobrevivo a esta inundação de sensações... Decidi. Quero acostar a este alguém que és tu, algures no caminho das nossas alegrias.

Dias

Há momentos da nossa vida que se tornam vagos e dispersos, fragmentados. Não estamos convictos do que fizemos, dissemos ou criámos. Por vezes, nem mesmo do que queríamos concretizar...
Há dias em que nada parece certo, em que tudo está ligeiramente fora do lugar, desfocado. Tornam-se sombras as acções que tomamos e meros suspiros as palavras que usámos. Ao fim de algum tempo, tudo se resume ao leve voar da fina areia ao sabor de uma brisa de Verão numa qualquer praia do Mundo, irrelevante, inconsequente.
Mas há dias em que os prédios e as ruas estão claras e iluminadas de cor, em que os passeios, os cafés e as árvores trazem vida ao nosso redor, em que as palavras fluem, os pensamentos discorrem e os sentimentos não se agarram a nada mais que as vozes mais berrantes e sonoras! Há dias em que as pessoas são palpáveis e suaves, em que possuem um brilho que se forma nas pontas dos lábios e se reflecte nos olhos de todos os que se cruzam consigo...
Nestes dias, o mar bate forte nas rochas da nossa praia e une de tal forma os grãos de areia que os passos que damos se não apagam por meras brisas. Estes dias, caminhei-os contigo e as ondas nunca mais chegaram tão longe.
Sinto muito a tua falta.

Acto II

A razão és tu. Sempre foste. Sempre te senti bem perto e nunca deixei de te abraçar com todas as forças que tenho. Sempre foste o meu motivo e a minha luz, o meu calor no frio e a água que me refresca. Só de pensar em ti uma vez mais julgo sentir o toque dos teus cabelos na minha pele e estremeço em ansiedade. A tua pele continua tão sedosa como o primeiro dia em que tocaste os meus lábios e me mostraste o que podias dar-me... Desejo-te como nunca e cada vez tenho menos vontade de o esconder; cada vez faz menos sentido fazê-lo... Perdoa-me se o escondo há demasiado tempo; perdoa-me se o sinto desta forma que me inunda todos os dias e me alaga os olhos quando a noite já vai longa e pesada. Não sei como dizê-lo, não to soube mostrar antes e estou seguro que nunca irás poder compreender o papel central que tens tido na minha vida desde que nos reencontrámos e nos redescobrimos. Mas a verdade é que o holofote desta peça sempre esteve apontado para ti, a minha estrela, o meu anjo... a minha esperança da vida que sempre sonhei viver... cai a cortina sem se saber o fim mas a peça vai ainda a meio. Os últimos actos estão ainda por escrever... talvez a dois?

Acto I

Corre no meu pulsar um oco murmúrio, vestígio inabalável da grande peça que ocupa o teatro do meu sentimento. Não cessa de se fazer ouvir, de me fazer lembrar que o maior drama e a maior alegria podem ter os mesmos personagens em palco e que os fios da vida que os guiam se podem embaraçar para todo o sempre mesmo se alguns actos os separam. Vagueio pelos bastidores, por entre uma miríade de vultos em frenesim constante ao meu redor, onde se vivem mil vidas diferentes e outros tantos mundos que nada me dizem, nada me atraem... não como tu o consegues.

Gostava de, um dia, poder dizer-te na minha voz tudo o que as minhas mãos escrevem, com a clareza com que se faz um monólogo, com a beleza das palavras certas no momento certo e a expressão no rosto de quem viveu uma vida inteira para aquele momento. O momento em que um se esvazia para que o outro o possa preencher por completo; o momento em que se fica à mercê da espada e se deposita toda a esperança em quem a segura.

Gostava que, um dia, pudesses ouvir estas minhas palavras e acreditar que não são teatro mas um acto de amor que procura o teu. Em todas as linhas, penso em ti.