Terra

Evitamos fitar os olhos deste sentimento de inevitabilidade que é separarmo-nos de a quem nos queremos juntar, de perdermos quem tanto queremos guardar. Somos ermitas num vazio de emoções para que o contraste da alegria nunca nos dirija a palavra ou espreite para o fundo da caverna que escavámos com tanto ardor e nos encontre encolhidos, tremendo, de olhar cabisbaixo, focados na solidão do desejo de um consolo que jamais chegou. Perdemos o pulsar do Mundo para podermos ouvir o nosso a bater forte, para podermos mentir a nós mesmos, para podermos esperar. Soltamos amarras dos portos que não vivem senão para nos acolherem e que nos esperam com a ansiedade irrequieta das marés... O grande Mar seduz-nos, o azul profundo guarda os nossos medos, o silêncio torna-se companheiro de viagem e o tempo uma fina linha sombreada ao longo do batel da vida que navegamos...

Mas a manhã chega em que queremos ouvir as ondas bater no casco. Queremos ouvi-lo ao leme de uma nau que se enche de vida por dentro e grita "Terra!" do alto do mais alto mastro. Queremos desfraldar aos sete ventos as bandeiras que defendemos antes do medo. Queremos prender as nossas amarras com a certeza das rochas que nos abrigam neste porto de alegria. Queremos sentir o sangue deste Mundo correr quando enterramos as mãos no solo suave. Queremos gritar ao sentir o calor do Sol no rosto e admirar o eco vibrando e ressoando pelas cavernas que nos rodeiam. Queremos marcar os nossos passos na areia do tempo que nos foge entre mãos. Defenderemos a nossa dama numa luta sem quartel, num duelo sem misericórdia. Aí, fitaremos a inevitabilidade nos olhos e teremos ganho ainda antes de qualquer um de nós cair por fim...