Decisão





Procuro um momento. Procuro uma certeza, a certeza que não depende de mim, aquela que só me pode ser oferecida. Procuro-a com uma sofreguidão que me tolhe a razão, que me aperta o coração e me faz dormir de olhos cravados no céu como se a resposta estivesse nos milhares de linhas com que ligo as estrelas para desenhar o teu rosto... com o teu cabelo deslizando até ao horizonte... o teu sorriso atravessando a estrela polar... Navego este sentimento inquieto contigo como guia mas continuas tão longe, todos os dias... nem sempre resisto e em fraqueza fecho os olhos. Viro a cara e afasto-me. Quero me partir, quero poder partir em busca de outra certeza, de outra terra, uma terra nova que me acolha e ao sentimento que tanto quero partilhar e viver...

E aí o momento dá-se. Abro os olhos e percebo que não posso partir, que não sabe bem caminhar sem o teu brilho a iluminar-me o caminho. Percebo que não quero deixar de marear esta rota que leva ao teu coração e à partilha do teu sorriso. Em verdade, nada se lhe compara e tudo o mais é menos do que o que desejo contigo.

E, nesse momento, surges a meu lado, ao alcance de um leve toque dos meus dedos, e o calor do teu corpo encanta-me os sentidos ao ponto de ter de respirar fundo, bem fundo para me assegurar de que sobrevivo a esta inundação de sensações... Decidi. Quero acostar a este alguém que és tu, algures no caminho das nossas alegrias.

Dias

Há momentos da nossa vida que se tornam vagos e dispersos, fragmentados. Não estamos convictos do que fizemos, dissemos ou criámos. Por vezes, nem mesmo do que queríamos concretizar...
Há dias em que nada parece certo, em que tudo está ligeiramente fora do lugar, desfocado. Tornam-se sombras as acções que tomamos e meros suspiros as palavras que usámos. Ao fim de algum tempo, tudo se resume ao leve voar da fina areia ao sabor de uma brisa de Verão numa qualquer praia do Mundo, irrelevante, inconsequente.
Mas há dias em que os prédios e as ruas estão claras e iluminadas de cor, em que os passeios, os cafés e as árvores trazem vida ao nosso redor, em que as palavras fluem, os pensamentos discorrem e os sentimentos não se agarram a nada mais que as vozes mais berrantes e sonoras! Há dias em que as pessoas são palpáveis e suaves, em que possuem um brilho que se forma nas pontas dos lábios e se reflecte nos olhos de todos os que se cruzam consigo...
Nestes dias, o mar bate forte nas rochas da nossa praia e une de tal forma os grãos de areia que os passos que damos se não apagam por meras brisas. Estes dias, caminhei-os contigo e as ondas nunca mais chegaram tão longe.
Sinto muito a tua falta.

Acto II

A razão és tu. Sempre foste. Sempre te senti bem perto e nunca deixei de te abraçar com todas as forças que tenho. Sempre foste o meu motivo e a minha luz, o meu calor no frio e a água que me refresca. Só de pensar em ti uma vez mais julgo sentir o toque dos teus cabelos na minha pele e estremeço em ansiedade. A tua pele continua tão sedosa como o primeiro dia em que tocaste os meus lábios e me mostraste o que podias dar-me... Desejo-te como nunca e cada vez tenho menos vontade de o esconder; cada vez faz menos sentido fazê-lo... Perdoa-me se o escondo há demasiado tempo; perdoa-me se o sinto desta forma que me inunda todos os dias e me alaga os olhos quando a noite já vai longa e pesada. Não sei como dizê-lo, não to soube mostrar antes e estou seguro que nunca irás poder compreender o papel central que tens tido na minha vida desde que nos reencontrámos e nos redescobrimos. Mas a verdade é que o holofote desta peça sempre esteve apontado para ti, a minha estrela, o meu anjo... a minha esperança da vida que sempre sonhei viver... cai a cortina sem se saber o fim mas a peça vai ainda a meio. Os últimos actos estão ainda por escrever... talvez a dois?

Acto I

Corre no meu pulsar um oco murmúrio, vestígio inabalável da grande peça que ocupa o teatro do meu sentimento. Não cessa de se fazer ouvir, de me fazer lembrar que o maior drama e a maior alegria podem ter os mesmos personagens em palco e que os fios da vida que os guiam se podem embaraçar para todo o sempre mesmo se alguns actos os separam. Vagueio pelos bastidores, por entre uma miríade de vultos em frenesim constante ao meu redor, onde se vivem mil vidas diferentes e outros tantos mundos que nada me dizem, nada me atraem... não como tu o consegues.

Gostava de, um dia, poder dizer-te na minha voz tudo o que as minhas mãos escrevem, com a clareza com que se faz um monólogo, com a beleza das palavras certas no momento certo e a expressão no rosto de quem viveu uma vida inteira para aquele momento. O momento em que um se esvazia para que o outro o possa preencher por completo; o momento em que se fica à mercê da espada e se deposita toda a esperança em quem a segura.

Gostava que, um dia, pudesses ouvir estas minhas palavras e acreditar que não são teatro mas um acto de amor que procura o teu. Em todas as linhas, penso em ti.

Espelho

Fita os meus olhos, procura bem no fundo... Consegues ver lá no extremo do vazio um brilho? Um brilho lindo. Um brilho que, de tão belo, traz consigo um silêncio inundado de alegria. Esse brilho não é meu. Não é mais que um reflexo de ti, de ti na minha vida. É a essência do amar e o bálsamo que me acalma...

Fita os meus lábios, navega suavemente essas linhas que te querem tão perto como o sal e as ondas se desejaram um dia. Sentes o calor que os motiva? O rubor que os empurra sem pena ou consideração? São o corpo do amar e o porto de onde solto as minhas amarras...

Fita o meu corpo, atenta em todas as curvas que se querem revelar ao som do teu suspiro. Um suspiro que as transporta à fronteira mais recôndita da loucura. Sentes o ímpeto que se quer libertar? A intensidade que não se quer segurar, que não quer parar? É o sustento do amar e o fogo que não lhe permite extinguir-se...

Fita-me. Serei o outro lado do espelho que procura bem dentro de ti o brilho que trazes. O brilho que és. Para mim.

Terra

Evitamos fitar os olhos deste sentimento de inevitabilidade que é separarmo-nos de a quem nos queremos juntar, de perdermos quem tanto queremos guardar. Somos ermitas num vazio de emoções para que o contraste da alegria nunca nos dirija a palavra ou espreite para o fundo da caverna que escavámos com tanto ardor e nos encontre encolhidos, tremendo, de olhar cabisbaixo, focados na solidão do desejo de um consolo que jamais chegou. Perdemos o pulsar do Mundo para podermos ouvir o nosso a bater forte, para podermos mentir a nós mesmos, para podermos esperar. Soltamos amarras dos portos que não vivem senão para nos acolherem e que nos esperam com a ansiedade irrequieta das marés... O grande Mar seduz-nos, o azul profundo guarda os nossos medos, o silêncio torna-se companheiro de viagem e o tempo uma fina linha sombreada ao longo do batel da vida que navegamos...

Mas a manhã chega em que queremos ouvir as ondas bater no casco. Queremos ouvi-lo ao leme de uma nau que se enche de vida por dentro e grita "Terra!" do alto do mais alto mastro. Queremos desfraldar aos sete ventos as bandeiras que defendemos antes do medo. Queremos prender as nossas amarras com a certeza das rochas que nos abrigam neste porto de alegria. Queremos sentir o sangue deste Mundo correr quando enterramos as mãos no solo suave. Queremos gritar ao sentir o calor do Sol no rosto e admirar o eco vibrando e ressoando pelas cavernas que nos rodeiam. Queremos marcar os nossos passos na areia do tempo que nos foge entre mãos. Defenderemos a nossa dama numa luta sem quartel, num duelo sem misericórdia. Aí, fitaremos a inevitabilidade nos olhos e teremos ganho ainda antes de qualquer um de nós cair por fim...