Assim, sem mais.

Recordo o teu olhar. Aquele com que me fitas quando julgas que não te estou a ver. Faz-me sorrir bem dentro do sentimento que apenas guardo para ti. Traz luz ao fundo do meu viver. Acende-se a vela mais sincera, aquela que só se acende a duas mãos, dadas com a certeza da partilha do futuro. Ilumina-me o caminho, clareia a minha jornada, dissipa as minhas sombras. Contigo, não existe "eu" e "tu". Contigo, eu sou quando tu estás. Por ti, abdico de mim para que sejamos nós a marcar o passo das nossas vidas. Assim, sem mais. Por mais que não o queiras e que não peças, eu quero-te mais que a mim mesmo. Quero a minha felicidade mais que as minhas vitórias. Quero o meu sorriso espelhado no teu mais que o meu sucesso.
Quero dar-te a minha mão e cumprir a promessa que acendemos no dia em que partilhámos o brilho e o corpo de quem somos e de quem queremos ser, o dia em que fitámos a felicidade olhos nos olhos sem rancor nem receio.
Lembras-te?
Ela sorriu...

A Falésia de Mim

Trago anos de vida e perco a vista de quantos tenho à frente do mar. O meu mar... de infinitas ondas de novidade, de um alcance que a vista não pode algum dia imaginar. Aqui estou, por mim presa a estes pés de areia que não me permitem avançar. Sentado, fitando o invisível, revejo vidas que já não posso partilhar, faces que os meus dedos não mais vão sentir, lábios que por mim não mais vão sorrir. Passo as mãos pelo cabelo ondulado ao vento e debruço o pesado corpo sobre as águas. Quero saltar, quero mergulhar neste mundo que todos os dias me convida, todos os dias me encontra e que todos os dias recuso. Quero flutuar na liberdade deste ondular... Sei que só poderei deixar de sonhar se cometer a derrocada do que vivi, se esvaziar quem sou e partir... É o silêncio das águas assim tão bom?

Hipnose

Pinto a tua luz no meu corpo, sopro o teu brilho pelo meu cabelo... sinto-te perto, ouço bater-te o coração, ouço o teu sonho movendo-te os lábios, desejando os meus... treme-te o corpo de antecipação e corre uma gota de suor pelo sinuoso desenho do teu peito, fria como cristal e demorada como as nuvens, percorre os segredos que já explorámos com tamanho ardor e humanidade... explora... desce... aloja-se no regaço mais inesperado e ali fica, a contemplar-me, provocadora... moves-te um pouco e acordo da hipnose, do fitar adocicado da tua pele e das tuas linhas... Perco tempo a olhar para as tuas cores, a sentir os teus aromas, a inspirar cada centelha do teu calor e a aquecer o meu coração com o teu... Não me consigo desligar de ti, não o desejo. Sinto-te a mover uma vez mais e todas as sensações se misturam num instante de tempo como que para me fazer entender que o que sinto não é compreensível, não é explicável, não é razoável, não é humano... aqui mora o divino, nos espaços da nossa ignorante sabedoria, e o divino não tem tempo... Tempo delicioso, aquele que tenho contigo... quero-o, sempre mais e sempre nosso.

Surtos de barro

Sorrisos, olhares luminosos de vivo ser perpassam-me o lívido rosto. Sei o seu odor. Sei-o pelo espaço que ocupam no interior da minha voz, suspiros de sombras passadas de vermelho-vivo que me tingem o desejo e a mente. Moldados em rude rotunda madeira, sonharam com a fria e cruel forja. Jogaram o seu futuro contra a porta que não mais se quis aberta... Num surto, tudo se prometeu, noutro tudo se quis cumprir. Por fim, caco a caco, o barro se moldará... A luz do próximo sorriso um dia virá.

Reflexão Carente

Carece a vida de explicações simples e óbvias. Ou então, careço eu de compreensão das coisas simples e óbvias. Vai-se a ver e, afinal, a minha carência prender-se-á com uma compreensão tão simples e óbvia que me fogem as múltiplas causas e consequências dos acontecimentos na minha vida. Em suma, sou carente! E esta carência mais parece um caroço, um nódulo rijo e inerte no caminho das pessoas fabulosas da minha experiência existencial.

Tenho saudades de quando me sentia simples e de quando tudo me surgia simples. Tenho saudades de quando as pessoas me reconheciam essa simplicidade e se permitiam sê-lo comigo. Tenho saudades do peso que não sentia e que ninguém tinha de suportar quando trocávamos vidas... Dizem que sorrir menos é sinal de aprender e de crescer. Eu chamo-lhe definhar e perder. Não estou mais culto nem sou mais maduro, apenas estou menos novo e menos rico.

Mas a vida não é dos tristes nem eles a controlam (apesar de, infelizmente, terem sempre uma palavra a dizer). A vida é dos olhares sorridentes que iluminam o futuro; é dos que conseguem vislumbrar o brilho das pequenas eventualidades e circunstâncias nos simples sujeitos que se atravessam na sua rota.

A vida é tua, querida. Se, um dia, eu ainda conseguir brilhar, não deixarei de procurar o teu olhar.

Inquietude

Tento perceber porquê mas nada me ocorre.
E da inquietude não me liberto! Faz-me andar, faz-me procurar, preocupar, querer saber, partilhar, dar, rir e gargalhar, faz-me sorrir e olhar, com os olhos a brilhar de alegria e fantasia, para os teus de mar e poesia...
Feitiço não é, feitiço nunca foi... Mistério da vida, milagre quotidiano talvez...
Pudera eu maravilhar-me todos os dias nesse lago de ecos surdos que murmuram um sentimento tão leve e tão frágil!
Pudera eu abrir as velas do meu batel e saborear as ondas do teu mistério, arribar às ilhas do teu ser e explorar a fonte da vida original com o teu suspiro como guia!
Pudera eu... e te encontraria na saliência mais discreta ou na gruta mais profunda para te trazer ao calor do Sol e ao aroma da suave brisa e partilhar o meu tesouro mais lindo e mais precioso contigo...

Levantaríamos velas e a inquietude nos levaria...

Horizonte

Entreguei-me

De corpo, alma e algo mais

E nada posso, poderá alguém?, contra tal.

Entreguei-me e saí-me das mãos

Fugi para um regaço e aninhei.

Não quero sair, não quero voltar para mim

Não o sei, desconheço o caminho.

Tanto andei com o olhar no Horizonte

Que não me lembro onde passei

E o regresso é um segredo que não desvendo.

Caiu a noite. O Horizonte dilui-se nas águas mornas das estrelas.

Quantos brilhos, quantas distracções, quantas possibilidades me rodeiam e me incitam a virar, desviar, alterar o meu rumo.

Pobres, insensatas e desesperadas tentativas... Num segundo se prende o meu olhar no Horizonte, ténue, diluído; mas eu sei onde ele está e sei o que desejo dele e sei que o que lhe dei ele jamais rejeitará.

Ah, Mostra-me O teu Rosto! Dá-me o benefício eterno do teu sorriso... envolve-me no teu brilho verde-castanho, entrança-me nas ondas do teu cabelo...

Em verdade, entregue estou.

E o regresso... qual regresso?..

O meu, o teu ou o nosso

Aceito o medo, aceito a pena, aceito a tristeza, aceito as lágrimas, aceito o choro, aceito a frustração, aceito a separação, aceito a inacção, aceito o desespero, aceito a dor, aceito a ansiedade, aceito a insónia, aceito o frio de noite, aceito a solidão, aceito o vazio, aceito a escuridão, aceito o desconhecido, aceito a distância, aceito a independência, aceito o desafio, aceito o risco, aceito o tempo, aceito a ausência mas...

...não consigo viver com o silêncio.

Tântalo

Pensar em ti é tantalizante. É algo que me prende a imaginação e ordena ao sonho a minha mente. Crio espaços, cores, cheiros e tonalidades, junto-lhes as flores, os caminhos empedrados e as árvores em amarelo Outono, recorro ao som da brisa e ao piar suave das aves... Tudo o mais já lá está, estamos eu e tu e nada mais preciso! Sinto o sorriso desenhar-te os lábios e o sentimento estampado nos meus... Oiço o futuro a suspirar por entre os nossos dedos e o desejo a crescer no peito que trava e resiste contra a plenitude da liberdade que não tarda e que vislumbro, perto, cada vez mais perto... É chegado o momento, é sentida a pressão, traduz-se a flor da esperança em semente de vida nova. Sabes bem. Sei-o bem e jamais me esquecerei. Sabe-me bem e a surpresa que perpasso não é pelo que sinto mas por como o sinto! É morno. Tem um toque plano, suave como o ondular do teu cabelo mas forte e decidido como a sua cor. É envolvente, segredado pelos deuses na calma etérea do tempo ao ouvido de quem mais o quis perceber. É intenso, livre como a gota que atrevidamente se passeia na tua pele de sinuosidades sábias enquanto nos damos em amor. É, e destruiu todas as medidas que havia estabelecido e perfurou todas as armaduras que ainda possuía! Um golpe só bastou... ruiu o castelo de cartas das minhas fraquezas e indecisões, caiu o potestado da minha insegurança... secam-se os meus lábios pela última vez...
Amo
e, se o faço, é por ti.
-te

Quando

Estou num daqueles momentos em que me sinto como se tivesse acabado de chegar à beira do mar, sentindo o frio da água e com a imensidão do azul-cinza no meu caminho... Olho para a compleição deste maravilhoso maciço que se ergue, repetida e desavergonhadamente, à minha frente, com o branco do seu sorriso de espuma e sal, aquele sorriso de quem sabe que é muito mais forte que aquele que se lhe apresenta... Sinto o desafio da brisa nos recantos do meu rosto e o impulso sussurrado da areia que se agita debaixo dos meus pés nus, frios e insensíveis aos tormentos da caminhada que me trouxe a este confronto... "Sou eu e tu, meu caro!" - e apetece-me gritar - "Eu e tu!!!... Que queres roubar de mim, que mais podes rapar a este fundo de vazio?" Defronto-o de peito cheio de nada como se estivesse na mesa de jogo mais cobiçada do Mundo... Ameaço o movimento que decidirá esta batalha e o sorriso recua, apenas para se reerguer e reafirmar que os séculos que a experiência lhe deu lhe conferem a vitória total e absoluta. É ele quem controla, é ele quem define o como e o porquê. Reservo-me o quando... e quando quiser, darei o passo que me falta para me imbuir do sal e da espuma e me cobrir desta sabedoria intragável do mar da vida... Será o dia mais triste, aquele em que resolver deixar a praia do meu paraíso, onde construí a minha morada e a quem prometi a minha fidelidade... Para me deixar preencher, esvaziarei tudo o que sou e fui... Que seja... é que, assim, dói tanto...

Adeus

Uma luz ao fundo do túnel. Partida ou chegada? Ouço os muros a erguerem-se, as paredes fechando as dores de lágrima que tão perto sinto. Apaga-se a vela... Não, sou eu que cerro os olhos. Sinto ainda o calor, o calor dos meus, aqueles que tive e que criei, aqueles que me tiveram sempre e a quem me dei. Sempre. A lágrima já não vem... Não fez parte da minha vida, não o fará da minha morte. Sorrio. E como não? Agora vai ser tão bonito...