Cumulonimbos
O cúmulo das nuvens é não as podermos agarrar. São as vozes dos sonhos, o sabor dos desejos, ocos ecos de uma vida. A minha nuvem surge quando o eco se vai, disforme, fria, de olhos de negro carregados, molhada de lágrimas sentidas. Se ao menos a pudesse levar em mim, no recôndito do meu sentir, para que a luz do Sol não a notasse, não a visse, não percebesse... que a razão é ela, que a tempestade não finda quando lhe viramos as costas, que o fogo não esmorece quando nos afastamos... e como ardo ainda... e como chovo ainda... e como disforme se mantém o sonho que ouvi, o desejo que provei, o eco que vivi... uma névoa que pesa os ombros de quem já carregou demais para uma vida só...
O cúmulo das nuvens somos nós, de pobres, brutas mãos, que falhamos em as agarrar, que as tentamos prender ao ondular do nosso querer, que as procuramos como se as pudéssemos compreender, como se as pudéssemos satisfazer... As nuvens são para voar.
Por
Da Silva
a
17.4.15
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A salvo
porque o rochedo da inevitabilidade não apaga as linhas com que enleavas o meu olhar, não corta a brisa doce do mar de palavras surdas com que velejavas o meu corpo, não pesa sobre o pico de desejo com que me abraçavas a fundo perdido, não cede às investidas da paixão das manhãs que sonhámos!..
Um dia, encontrarei a pedra, aquela ínfima pedra solta. Na base. E, antes da tarde o ser, verei as ondas do teu corpo enrolarem sobre mim, provarei o sal que me tempera a tua pele, salvar-me-ei nas amarras fortes do teu cabelo, suspirarei por casa, por ti, por mim, a salvo, enfim.
Por
Da Silva
a
5.9.13
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Lobo
Por
Da Silva
a
11.8.13
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Faux Pas
Não ser querido por querer demais, ou apenas mais, deve ser o castigo mais cruel entre duas pessoas. Uma fica sem muito e a outra fica sem tudo quando ambos poderiam ter muito de tudo. Quando o amor não chega, o que sobra? Quando alguém te quer fazer feliz, porque sabe que isso também o fará feliz e que ambos serão felizes, juntos, onde mais podemos querer chegar? Quando demos tudo e isso foi apenas tudo o que demos, que mais podemos querer alcançar? Um encontro de desencontros. Assim é quando o amor aceita o duelo do gostar. Uma luva branca de forro negro... Ecoa pela sala surda um riso de choque, mesmo após tantas vezes ter visto este drama. Na plateia, a ironia acompanha mais um ensaio da peça que nunca se estreará, não por falta de cenário ou figurantes nem por falta de uma sala disposta a encher-se de recordações e actuações memoráveis. Nem mesmo por falta dos actores principais ou dos adereços que os caracterizam... mas porque falta o contraponto. Falta o seu discurso em pensamento alto, a rede dos nossos faux pas... GRITA! Por amor de Deus, grita! Faz-te ouvir como se o Mundo dependesse do meu mundo! Sim, aquele que se desfaz à tua frente... Diz-lhe que estarás lá sempre que precisar e que as suas deixas surgirão sempre, fruto da dedicação, do trabalho e do amor dos personagens. Diz-lhe que já o viste tantas vezes e em tantas peças. E diz-lhe, por favor, que, mesmo quando não estiveres, ela ter-me-á sempre.
Por
Da Silva
a
1.7.12
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Descensão
Quero ver-te, quero ter-te, tocar-te e rolar contigo. Quero pôr-te num pedestal e arrancar-te de lá com o maior desejo que a carne pode sentir. Quero tactear as curvas desse caminho que te faz suspirar no escuro e te orienta o suor descendo pelas costas quentes e hirtas de prazer. Quero respirar o calor dos teus lábios e sentir a dor nos meus enquanto me mordes sem medo. Quero puxar-te o corpo para mim e segurar o teu ímpeto descontrolado. Quero sentir-te tremer desde o mais dentro do teu corpo e os teus lábios contorcerem-se na tentativa vã de compreenderem o que se passa, o sentimento que te perpassa num gemido de solta entrega e se perpetua em ecos de doce deleite. Quero beijar os teus finos cabelos colados à cara, revoltados pelo abuso que lhes foi permitido, livres das inibições impostas por todos os dias ter de ser, ter de parecer. Não mais. Aqui não há prisões, tudo soltamos e consumimos, recriando-o no momento seguinte ao arder da paixão para mais não fazermos do que nos entregarmos sem tréguas mais uma vez... e outra... e mais... até que os tecidos que nos cobrem guardem apenas o olor do que nos demos sem hesitação nem descanso nem reflexão e o seu calor se sobreponha ao do nosso corpo, uno, junto e completo e nos adormeça no seu abraço...
...
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E amanhã também.
Por
Da Silva
a
18.1.10
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Decisão
Por
Da Silva
a
6.12.09
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