Reflexão Carente

Carece a vida de explicações simples e óbvias. Ou então, careço eu de compreensão das coisas simples e óbvias. Vai-se a ver e, afinal, a minha carência prender-se-á com uma compreensão tão simples e óbvia que me fogem as múltiplas causas e consequências dos acontecimentos na minha vida. Em suma, sou carente! E esta carência mais parece um caroço, um nódulo rijo e inerte no caminho das pessoas fabulosas da minha experiência existencial.

Tenho saudades de quando me sentia simples e de quando tudo me surgia simples. Tenho saudades de quando as pessoas me reconheciam essa simplicidade e se permitiam sê-lo comigo. Tenho saudades do peso que não sentia e que ninguém tinha de suportar quando trocávamos vidas... Dizem que sorrir menos é sinal de aprender e de crescer. Eu chamo-lhe definhar e perder. Não estou mais culto nem sou mais maduro, apenas estou menos novo e menos rico.

Mas a vida não é dos tristes nem eles a controlam (apesar de, infelizmente, terem sempre uma palavra a dizer). A vida é dos olhares sorridentes que iluminam o futuro; é dos que conseguem vislumbrar o brilho das pequenas eventualidades e circunstâncias nos simples sujeitos que se atravessam na sua rota.

A vida é tua, querida. Se, um dia, eu ainda conseguir brilhar, não deixarei de procurar o teu olhar.

Inquietude

Tento perceber porquê mas nada me ocorre.
E da inquietude não me liberto! Faz-me andar, faz-me procurar, preocupar, querer saber, partilhar, dar, rir e gargalhar, faz-me sorrir e olhar, com os olhos a brilhar de alegria e fantasia, para os teus de mar e poesia...
Feitiço não é, feitiço nunca foi... Mistério da vida, milagre quotidiano talvez...
Pudera eu maravilhar-me todos os dias nesse lago de ecos surdos que murmuram um sentimento tão leve e tão frágil!
Pudera eu abrir as velas do meu batel e saborear as ondas do teu mistério, arribar às ilhas do teu ser e explorar a fonte da vida original com o teu suspiro como guia!
Pudera eu... e te encontraria na saliência mais discreta ou na gruta mais profunda para te trazer ao calor do Sol e ao aroma da suave brisa e partilhar o meu tesouro mais lindo e mais precioso contigo...

Levantaríamos velas e a inquietude nos levaria...

Horizonte

Entreguei-me

De corpo, alma e algo mais

E nada posso, poderá alguém?, contra tal.

Entreguei-me e saí-me das mãos

Fugi para um regaço e aninhei.

Não quero sair, não quero voltar para mim

Não o sei, desconheço o caminho.

Tanto andei com o olhar no Horizonte

Que não me lembro onde passei

E o regresso é um segredo que não desvendo.

Caiu a noite. O Horizonte dilui-se nas águas mornas das estrelas.

Quantos brilhos, quantas distracções, quantas possibilidades me rodeiam e me incitam a virar, desviar, alterar o meu rumo.

Pobres, insensatas e desesperadas tentativas... Num segundo se prende o meu olhar no Horizonte, ténue, diluído; mas eu sei onde ele está e sei o que desejo dele e sei que o que lhe dei ele jamais rejeitará.

Ah, Mostra-me O teu Rosto! Dá-me o benefício eterno do teu sorriso... envolve-me no teu brilho verde-castanho, entrança-me nas ondas do teu cabelo...

Em verdade, entregue estou.

E o regresso... qual regresso?..

O meu, o teu ou o nosso

Aceito o medo, aceito a pena, aceito a tristeza, aceito as lágrimas, aceito o choro, aceito a frustração, aceito a separação, aceito a inacção, aceito o desespero, aceito a dor, aceito a ansiedade, aceito a insónia, aceito o frio de noite, aceito a solidão, aceito o vazio, aceito a escuridão, aceito o desconhecido, aceito a distância, aceito a independência, aceito o desafio, aceito o risco, aceito o tempo, aceito a ausência mas...

...não consigo viver com o silêncio.

Tântalo

Pensar em ti é tantalizante. É algo que me prende a imaginação e ordena ao sonho a minha mente. Crio espaços, cores, cheiros e tonalidades, junto-lhes as flores, os caminhos empedrados e as árvores em amarelo Outono, recorro ao som da brisa e ao piar suave das aves... Tudo o mais já lá está, estamos eu e tu e nada mais preciso! Sinto o sorriso desenhar-te os lábios e o sentimento estampado nos meus... Oiço o futuro a suspirar por entre os nossos dedos e o desejo a crescer no peito que trava e resiste contra a plenitude da liberdade que não tarda e que vislumbro, perto, cada vez mais perto... É chegado o momento, é sentida a pressão, traduz-se a flor da esperança em semente de vida nova. Sabes bem. Sei-o bem e jamais me esquecerei. Sabe-me bem e a surpresa que perpasso não é pelo que sinto mas por como o sinto! É morno. Tem um toque plano, suave como o ondular do teu cabelo mas forte e decidido como a sua cor. É envolvente, segredado pelos deuses na calma etérea do tempo ao ouvido de quem mais o quis perceber. É intenso, livre como a gota que atrevidamente se passeia na tua pele de sinuosidades sábias enquanto nos damos em amor. É, e destruiu todas as medidas que havia estabelecido e perfurou todas as armaduras que ainda possuía! Um golpe só bastou... ruiu o castelo de cartas das minhas fraquezas e indecisões, caiu o potestado da minha insegurança... secam-se os meus lábios pela última vez...
Amo
e, se o faço, é por ti.
-te

Quando

Estou num daqueles momentos em que me sinto como se tivesse acabado de chegar à beira do mar, sentindo o frio da água e com a imensidão do azul-cinza no meu caminho... Olho para a compleição deste maravilhoso maciço que se ergue, repetida e desavergonhadamente, à minha frente, com o branco do seu sorriso de espuma e sal, aquele sorriso de quem sabe que é muito mais forte que aquele que se lhe apresenta... Sinto o desafio da brisa nos recantos do meu rosto e o impulso sussurrado da areia que se agita debaixo dos meus pés nus, frios e insensíveis aos tormentos da caminhada que me trouxe a este confronto... "Sou eu e tu, meu caro!" - e apetece-me gritar - "Eu e tu!!!... Que queres roubar de mim, que mais podes rapar a este fundo de vazio?" Defronto-o de peito cheio de nada como se estivesse na mesa de jogo mais cobiçada do Mundo... Ameaço o movimento que decidirá esta batalha e o sorriso recua, apenas para se reerguer e reafirmar que os séculos que a experiência lhe deu lhe conferem a vitória total e absoluta. É ele quem controla, é ele quem define o como e o porquê. Reservo-me o quando... e quando quiser, darei o passo que me falta para me imbuir do sal e da espuma e me cobrir desta sabedoria intragável do mar da vida... Será o dia mais triste, aquele em que resolver deixar a praia do meu paraíso, onde construí a minha morada e a quem prometi a minha fidelidade... Para me deixar preencher, esvaziarei tudo o que sou e fui... Que seja... é que, assim, dói tanto...

Adeus

Uma luz ao fundo do túnel. Partida ou chegada? Ouço os muros a erguerem-se, as paredes fechando as dores de lágrima que tão perto sinto. Apaga-se a vela... Não, sou eu que cerro os olhos. Sinto ainda o calor, o calor dos meus, aqueles que tive e que criei, aqueles que me tiveram sempre e a quem me dei. Sempre. A lágrima já não vem... Não fez parte da minha vida, não o fará da minha morte. Sorrio. E como não? Agora vai ser tão bonito...