Espelho

Fita os meus olhos, procura bem no fundo... Consegues ver lá no extremo do vazio um brilho? Um brilho lindo. Um brilho que, de tão belo, traz consigo um silêncio inundado de alegria. Esse brilho não é meu. Não é mais que um reflexo de ti, de ti na minha vida. É a essência do amar e o bálsamo que me acalma...

Fita os meus lábios, navega suavemente essas linhas que te querem tão perto como o sal e as ondas se desejaram um dia. Sentes o calor que os motiva? O rubor que os empurra sem pena ou consideração? São o corpo do amar e o porto de onde solto as minhas amarras...

Fita o meu corpo, atenta em todas as curvas que se querem revelar ao som do teu suspiro. Um suspiro que as transporta à fronteira mais recôndita da loucura. Sentes o ímpeto que se quer libertar? A intensidade que não se quer segurar, que não quer parar? É o sustento do amar e o fogo que não lhe permite extinguir-se...

Fita-me. Serei o outro lado do espelho que procura bem dentro de ti o brilho que trazes. O brilho que és. Para mim.

Terra

Evitamos fitar os olhos deste sentimento de inevitabilidade que é separarmo-nos de a quem nos queremos juntar, de perdermos quem tanto queremos guardar. Somos ermitas num vazio de emoções para que o contraste da alegria nunca nos dirija a palavra ou espreite para o fundo da caverna que escavámos com tanto ardor e nos encontre encolhidos, tremendo, de olhar cabisbaixo, focados na solidão do desejo de um consolo que jamais chegou. Perdemos o pulsar do Mundo para podermos ouvir o nosso a bater forte, para podermos mentir a nós mesmos, para podermos esperar. Soltamos amarras dos portos que não vivem senão para nos acolherem e que nos esperam com a ansiedade irrequieta das marés... O grande Mar seduz-nos, o azul profundo guarda os nossos medos, o silêncio torna-se companheiro de viagem e o tempo uma fina linha sombreada ao longo do batel da vida que navegamos...

Mas a manhã chega em que queremos ouvir as ondas bater no casco. Queremos ouvi-lo ao leme de uma nau que se enche de vida por dentro e grita "Terra!" do alto do mais alto mastro. Queremos desfraldar aos sete ventos as bandeiras que defendemos antes do medo. Queremos prender as nossas amarras com a certeza das rochas que nos abrigam neste porto de alegria. Queremos sentir o sangue deste Mundo correr quando enterramos as mãos no solo suave. Queremos gritar ao sentir o calor do Sol no rosto e admirar o eco vibrando e ressoando pelas cavernas que nos rodeiam. Queremos marcar os nossos passos na areia do tempo que nos foge entre mãos. Defenderemos a nossa dama numa luta sem quartel, num duelo sem misericórdia. Aí, fitaremos a inevitabilidade nos olhos e teremos ganho ainda antes de qualquer um de nós cair por fim...

O Dia

Um dia, os meus lábios mover-se-ão para te fazer ouvir os ecos desta música que há anos ressoa no meu coração. Será um suspiro que irá calar os sons que nos envolvem e distraem; será uma certeza tão forte que poderá suster o mundo inteiro no segundo em que se revelar, tudo parando, tudo interrompendo, esperando o momento em que o brilho há tanto tempo em mim escondido se mostre estampado nos teus olhos, procurando os meus.

Um dia, verei o tremer do fino recorte dos teus lábios que me encanta a tentar moldar as palavras que o coração deseja gritar, verei as lágrimas escoarem as palavras dos teus sentimentos, ver-te-ei levar a mão à testa tentando segurar uma réstia de racionalidade nesta fragata de loucura em que te quero embarcar.

No dia em que as palavras deixem de ser apenas tinta e se tornem anéis de fogo que marquem os corações que se atravessarem no seu caminho para o teu... nesse dia, estarás lá para me ouvir?

Quando?

De quem vi comigo, de quem vi contigo, não conheço outro destino que não nos junte. A saudade não chega para quanto me fazes falta.

O Outro Lado do Espelho

Parto preso pelos cordões do tempo. Troquei os sons pelo doce sorriso do silêncio e aí me deixei, vazio de expressão, contemplando um futuro que não era meu, em que não era eu. Diluí a alma num lago de calmas provações e me fixei no espelho de água de uma imagem minha distorcida. Finalmente, ouvi o sussurro das velhas da praia, arautos de experiência desiludidos, clamando para si o meu nome e gravando na pedra do Destino as feições do meu coração...
Parti a prisão dos cordões do tempo, cindi a pedra que me pesava o corpo e libertei o bater da minha voz, escrivão do meu sentimento, estilhaçando esse lado do espelho que não é senão ilusão. Em mil reflexos se dividiu, em mil gotas se evaporou. Nada mais é.
Sigo livre das linhas que não escrevi, sorrindo em silêncio, em busca do espelho que um dia reflicta nada mais do que a imagem de ti. Comigo.

Sempre perto

Em tempos, pedra. Hoje, vidro. Gentil e suave vidro. Sinto o toque frio na fonte dos meus sentidos e lembro a areia que correu na praia de alguém, a decidida brisa que a moveu, que a acompanhou para um destino maior. Fixo o olhar na crua beleza das curvas que moldaste por mim e inundas o meu corpo com o salgado ondular do teu corpo. Sabes a força do mar, conheces os segredos do vento...

Haverá algo mais belo que uma praia num dia de Inverno? Sentar num rochedo à beira de uma falésia. A fúria das sereias a bater nos empedernidos corações da tristeza que os criou quando o tempo não era mais que uma memória. Haverá algo mais belo que admirar a efémera glória da espuma que vence a onda para fenecer no instante seguinte no alto da sua liberdade? Não são assim as nossas vidas?...

Assim foi a minha vida contigo. O rude e o suave em permanente contacto de beijos de fúria e emoção, fortes, doces, ofegantes e duradouros. Tentámos voar tão alto nesta onda que perdemos o pé. De tão intensa, tornou-se lesta a escapar-se entre as malhas desta rede que nos prendeu e juntou como se outro destino não acreditasse poder sobreviver a este acordo de contradições e impossibilidades. Efémero foi. Fiquei na onda que banha a rocha que és. E assim estarei sempre perto
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O Teu Lado Da Cama

Sonho contigo todas as noites que os deuses me permitem acordar com um sorriso nos lábios. Permanecem na vaga memória os traços dos teus olhos intensos e o aroma que sinto engana-me ao ponto de te procurar deitada a meu lado. Vão é o caminho que trilho pelos lençóis com as pontas dos meus dedos em busca do calor que não esqueceram... Cruel, sim, é o Sol que se faz presente no instante seguinte e me recorda que é ali, perto dele, que tu estás, onde o teu calor se perde para outros dedos e o leve soar do teu suspiro se dissipa longe dos meus ouvidos... Sinto diluirem-se as linhas do teu corpo e a tua figura já não marca o teu lado da cama... Escondo a cara em minhas mãos à lembrança que me amarra e afasto o olhar deste brilho que me envolve... Afinal, a vida não sonha como a gente.
Acordo contigo todos os dias e aceito o melhor que a vida me pode dar. Guardo ainda alguma esperança que ela um dia se engane, me encontre e me dê quem de melhor alguma vez me deu. E espero.