Terra

Evitamos fitar os olhos deste sentimento de inevitabilidade que é separarmo-nos de a quem nos queremos juntar, de perdermos quem tanto queremos guardar. Somos ermitas num vazio de emoções para que o contraste da alegria nunca nos dirija a palavra ou espreite para o fundo da caverna que escavámos com tanto ardor e nos encontre encolhidos, tremendo, de olhar cabisbaixo, focados na solidão do desejo de um consolo que jamais chegou. Perdemos o pulsar do Mundo para podermos ouvir o nosso a bater forte, para podermos mentir a nós mesmos, para podermos esperar. Soltamos amarras dos portos que não vivem senão para nos acolherem e que nos esperam com a ansiedade irrequieta das marés... O grande Mar seduz-nos, o azul profundo guarda os nossos medos, o silêncio torna-se companheiro de viagem e o tempo uma fina linha sombreada ao longo do batel da vida que navegamos...

Mas a manhã chega em que queremos ouvir as ondas bater no casco. Queremos ouvi-lo ao leme de uma nau que se enche de vida por dentro e grita "Terra!" do alto do mais alto mastro. Queremos desfraldar aos sete ventos as bandeiras que defendemos antes do medo. Queremos prender as nossas amarras com a certeza das rochas que nos abrigam neste porto de alegria. Queremos sentir o sangue deste Mundo correr quando enterramos as mãos no solo suave. Queremos gritar ao sentir o calor do Sol no rosto e admirar o eco vibrando e ressoando pelas cavernas que nos rodeiam. Queremos marcar os nossos passos na areia do tempo que nos foge entre mãos. Defenderemos a nossa dama numa luta sem quartel, num duelo sem misericórdia. Aí, fitaremos a inevitabilidade nos olhos e teremos ganho ainda antes de qualquer um de nós cair por fim...

O Dia

Um dia, os meus lábios mover-se-ão para te fazer ouvir os ecos desta música que há anos ressoa no meu coração. Será um suspiro que irá calar os sons que nos envolvem e distraem; será uma certeza tão forte que poderá suster o mundo inteiro no segundo em que se revelar, tudo parando, tudo interrompendo, esperando o momento em que o brilho há tanto tempo em mim escondido se mostre estampado nos teus olhos, procurando os meus.

Um dia, verei o tremer do fino recorte dos teus lábios que me encanta a tentar moldar as palavras que o coração deseja gritar, verei as lágrimas escoarem as palavras dos teus sentimentos, ver-te-ei levar a mão à testa tentando segurar uma réstia de racionalidade nesta fragata de loucura em que te quero embarcar.

No dia em que as palavras deixem de ser apenas tinta e se tornem anéis de fogo que marquem os corações que se atravessarem no seu caminho para o teu... nesse dia, estarás lá para me ouvir?

Quando?

De quem vi comigo, de quem vi contigo, não conheço outro destino que não nos junte. A saudade não chega para quanto me fazes falta.

O Outro Lado do Espelho

Parto preso pelos cordões do tempo. Troquei os sons pelo doce sorriso do silêncio e aí me deixei, vazio de expressão, contemplando um futuro que não era meu, em que não era eu. Diluí a alma num lago de calmas provações e me fixei no espelho de água de uma imagem minha distorcida. Finalmente, ouvi o sussurro das velhas da praia, arautos de experiência desiludidos, clamando para si o meu nome e gravando na pedra do Destino as feições do meu coração...
Parti a prisão dos cordões do tempo, cindi a pedra que me pesava o corpo e libertei o bater da minha voz, escrivão do meu sentimento, estilhaçando esse lado do espelho que não é senão ilusão. Em mil reflexos se dividiu, em mil gotas se evaporou. Nada mais é.
Sigo livre das linhas que não escrevi, sorrindo em silêncio, em busca do espelho que um dia reflicta nada mais do que a imagem de ti. Comigo.

Sempre perto

Em tempos, pedra. Hoje, vidro. Gentil e suave vidro. Sinto o toque frio na fonte dos meus sentidos e lembro a areia que correu na praia de alguém, a decidida brisa que a moveu, que a acompanhou para um destino maior. Fixo o olhar na crua beleza das curvas que moldaste por mim e inundas o meu corpo com o salgado ondular do teu corpo. Sabes a força do mar, conheces os segredos do vento...

Haverá algo mais belo que uma praia num dia de Inverno? Sentar num rochedo à beira de uma falésia. A fúria das sereias a bater nos empedernidos corações da tristeza que os criou quando o tempo não era mais que uma memória. Haverá algo mais belo que admirar a efémera glória da espuma que vence a onda para fenecer no instante seguinte no alto da sua liberdade? Não são assim as nossas vidas?...

Assim foi a minha vida contigo. O rude e o suave em permanente contacto de beijos de fúria e emoção, fortes, doces, ofegantes e duradouros. Tentámos voar tão alto nesta onda que perdemos o pé. De tão intensa, tornou-se lesta a escapar-se entre as malhas desta rede que nos prendeu e juntou como se outro destino não acreditasse poder sobreviver a este acordo de contradições e impossibilidades. Efémero foi. Fiquei na onda que banha a rocha que és. E assim estarei sempre perto
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O Teu Lado Da Cama

Sonho contigo todas as noites que os deuses me permitem acordar com um sorriso nos lábios. Permanecem na vaga memória os traços dos teus olhos intensos e o aroma que sinto engana-me ao ponto de te procurar deitada a meu lado. Vão é o caminho que trilho pelos lençóis com as pontas dos meus dedos em busca do calor que não esqueceram... Cruel, sim, é o Sol que se faz presente no instante seguinte e me recorda que é ali, perto dele, que tu estás, onde o teu calor se perde para outros dedos e o leve soar do teu suspiro se dissipa longe dos meus ouvidos... Sinto diluirem-se as linhas do teu corpo e a tua figura já não marca o teu lado da cama... Escondo a cara em minhas mãos à lembrança que me amarra e afasto o olhar deste brilho que me envolve... Afinal, a vida não sonha como a gente.
Acordo contigo todos os dias e aceito o melhor que a vida me pode dar. Guardo ainda alguma esperança que ela um dia se engane, me encontre e me dê quem de melhor alguma vez me deu. E espero.

Ainda / Still

Dou comigo a sorrir de quando em quando, com o olhar fixado num ponto do passado, oblívio do que sucede à minha volta. Dou comigo envolto num sentimento quente que me pede premente para nunca cessar, para nunca mais voltar, para não ter de ir... Dou comigo a viver os momentos que puseram um brilho nos nossos olhos, um brilho que não posso alguma vez tentar definir ou explicar de tão nosso que o sentimos... aquele brilho... que conseguimos ver e sentir nos momentos em que a escuridão da noite não foi senão uma patética e inócua tentativa de impedir a partilha das nossas vidas. Acordados para a vida, demos e vivemos sem pensar no dia de amanhã; fomos simples e verdadeiros e rimo-nos das leis do mundo. O que temos é bem mais forte; o que temos não tem de obedecer. Amorosamente é e nada mais precisa.
E o sorriso que por vezes dá comigo fixado num brilho do passado, encontra-me agora e ainda inundado pela escuridão de não me partilhar contigo.

Every once in a while, I find myself smiling while staring at a moment in the past, oblivious of what happens around me. I find myself embraced by a warm feeling that asks me desperately to never cease, so it never has to return, so it may never be forced to go... I find myself living the moments that made our eyes shine, a glow I can never intend to describe or explain as it was so ours... that glow... that we were able to see and feel when the darkness of the night was not but a pathetic and inocuous attempt to stop us from sharing our lives. Finally aware of life, we gave ourselves and lived each other without looking at tomorrow; we were simple and true and we laughed at the rules of the world. What we have is stronger; what we have does not have to obey. Out of love, it is and nothing else requires.
And the smile that every once in a while finds me staring at a moment in the past, meets me now and still overwhelmed by the darkness of not sharing myself with you.